Seu
trabalho influenciou movimentos de resistência não-violentos pelo mundo afora.
Gene Sharp recebeu o Right Livelihood
Award 2012.
Ele
passou a vida pesquisando sobre a resistência não-violenta e o porquê deste ser
o método mais eficaz de se derrubar regimes corruptos e opressivos. O trabalho
de Gene Sharp influenciou movimentos de resistência pelo mundo – e continua a fazê-lo.
"Algo incomum está acontecendo pelo mundo: são as pessoas desarmadas que estão vencendo," ele afirma.
Gene
Sharp acabou de fazer 85 anos. Seu corpo está fraco e ele usa uma bengala para
andar, mas seu olhar é límpido e seu intelecto distinto. Ele dá a impressão de
ser modesto, amigável e ético. É difícil de assimilar que esse homem tímido é
uma ameaça a ditadores e regimes totalitários. Mas ele é. E tanto é que
autoridades na Síria e Irã alegam que ele é um agente da CIA. Na Rússia, as
duas livrarias que vendiam seus livros Da
Ditadura à Democracia foram incendiadas.
Ele tem
sido chamado de ‘Maquiavel da ação não-violenta’, algo do qual ele ri
modestamente quando surge em alguma conversa. O epíteto se aplica bem a ele. O Príncipe de Maquiavel é o tipo de
livro sobre como ditadores devem agir para manter o seu poder sobre o povo. O
livro de Gene Sharp Da Ditadura à
Democracia, no entanto, é um guia que descreve 198 métodos não-violentos e
é escrito para pessoas sob o domínio de déspotas e regimes totalitários.
Então, o que é uma resistência não-violenta
exatamente? “Deixe me resumir isso brevemente. Pessoas em grandes números são
obstinadas – por exemplo, marcham juntas nas ruas para mostrar seu
descontentamento. Agem através de protestos simbólicos, boicotes políticos e
econômicos, desobediência civil e intervenções não-violentas. Há muitas
maneiras,” Gene Sharp explica.
As teorias de ação não-violenta de Gene Sharp
influenciaram movimentos de resistência pelo mundo inteiro. Seu livro, o qual
já foi traduzido em mais de 35 línguas diferentes, tem sido baixado na internet, copiado e contrabandeado pelas fronteiras por rebeldes e outros
grupos de resistência. Usando o livro, e alguns de seus outros escritos, como
um fundamento, pessoas em países como Birmânia,
Estônia, Ucrânia, Sérvia e, mais recentemente, no Egito e Tunísia, tem planejado
como derrubar seus respectivos governos.
A essência da teoria de Gene Sharp é: a fonte de poder
do déspota depende da obediência e cooperação da população. Isto pode ser
chamado de teoria consensual do poder. Sem o consentimento da população – trate-se
do apoio ativo do populacho ou de sua conivência passiva, o tirano teria pouco
poder e um aporte irrisório de legitimação para governar.
No entanto, tentar se livrar de um governo por meio da
violência é, segundo Gene Sharp, uma estratégia imprudente. “Regimes militares
são bem equipados para lidar com esse tipo de resistência. Eles são construídos
para combater violência com violência. Quando o governo percebe que as pessoas
se recusam a serem oprimidas pela violência e que sua resistência é ampla e disciplinada
– É nisso que eles perdem o poder. No fim, as pessoas são mais fortes do que
elas imaginam porque elas não usam violência,” ele diz.
A
necessidade de conhecer
Primeiramente
Gene Sharp se interessou em estratégias não-violentas no final dos anos 40 como
uma forma de luta política. “O mundo estava um caos! A bomba atômica era
novidade; o nazismo e o holocausto continuavam em nossa memória. Stalin
comandou a União Soviética e eu conhecia um pouco sobre os campos de
concentração para os presos políticos e religiosos lá. Eu me convencia cada vez
mais que deveria haver uma alternativa a guerra.”
Então ele
estudou o passado e o presente, analisando como as pessoas tiveram êxito em
resistir sem o uso da violência. Entre outras coisas, ele passou dois anos e meio
na Noruega no final dos anos 50. Esse tempo passado lá o afetou profundamente.
Ele viu de perto como a resistência norueguesa usou a desobediência civil no
sistema educacional como uma arma contra o ditador pró-nazista Vidkun Quisling.
“Você não chegará longe apenas com inspiração. Se você tem apenas boas idéias, o que fazer? Muitas pessoas com ótimas idéias fizeram coisas horríveis. Inspiração não é tão importante quanto ter conhecimento e compreensão do que pode ser feito para mudar o que está errado e o que é preciso para fazer as coisas melhores. Isso requer analise e reflexão,” ele declara.
Ele fala
sobre a vez que entrevistou uma mulher que ajudou os judeus a escapar dos
nazistas. “Eu conheci uma pessoa muito sábia que disse, ‘Você não sabe nada
sobre o poder.’ Eu pensei sobre isso e coloquei em prática na Oxford University. Eu gastei meses lá lendo,
analisando e juntando diferentes teorias de intelectuais respeitados. Eu
adicionei conhecimento onde havia falhas e esse trabalho foi a base para minha análise
sobre o poder, a qual continua sendo uma contribuição única para a área. E tudo
porque alguém apontou o que eu não sabia, mas precisava saber.”
Gandhi
foi uma grande influência
Foi
também em Oxford enquanto se debruçava sobre livros e recortes de jornal que
ele veio a conhecer uma grande fonte de influência: Gandhi. Ele discorda da
imagem de Gandhi apenas como líder espiritual, dizendo que isso é uma imagem
injusta de quem ele realmente foi e o porquê dele ter se tornado um líder na
luta indiana por independência do Império Britânico.
“Eu não admiro
Gandhi porque ele era ‘bonzinho’. Ele podia ser qualquer coisa menos ingênuo.
Ele estudou direito em Londres e era bem instruído. Ele sabia bastante sobre
como movimentos de resistência usavam a desobediência civil. Ele era um
intelectual e um analista. Isso tem sido ignorado, algo que tem causado mais
prejuízos do que benefícios, enquanto pessoas pensam que sabem o que ele fez e
como, quando na verdade, eles não sabem,” ele diz.
“Até
então, eu achava que a luta não-violenta estava conectada a um tipo de ética ou
crença religiosa. Mas então eu percebi que Gandhi usava ações não-violentas por
razões práticas também – porque, simplesmente, isso teria um resultado melhor.
Isso me deu esperança que as pessoas poderiam resistir a violência massiva ao
redor do mundo,” ele continua.
Gene
Sharp geralmente não se coloca nas barricadas, mas durante 1953-1954, ele
passou nove meses na cadeia por protestar contra o recrutamento de soldados
para a guerra coreana. Em 1989, ele conversou com os manifestantes no Tiananmen Square. E em 1992, ele viajou
para a Birmânia ilegalmente depois que ativistas pró-democracia pediram a ele
para dar workshops sobre ações não-violentas para estudantes.
O Instituto Albert Einstein
Professor
Gene Sharp atuou, principalmente, no mundo acadêmico. Por 30 anos ele foi um pesquisador
da Universidade de Harvard e, em 1983, fundou o Instituto Albert Einstein [AEI]
para promover o estudo e o uso da ação não-violenta em conflitos. A Instituição
funciona desde 2004 em dois quartos de sua casa no leste de Boston. Seu título
atual é de Acadêmico Sênior.
A
diretora executiva da instituição é Jamila Raqib de 32 anos. Quando ela
terminou seus estudos em administração, ela quis trabalhar por um ano em uma
organização sem fins lucrativos. Foi quando ela viu um anúncio de emprego no
AEI.
“Inicialmente
eu estava, no minimo, cética. Quando eu tinha cinco anos minha família se mudou
para os Estados Unidos e eu sou de um país que glorificava a resistência armada.
Porque este país foi invadido diversas vezes durante séculos, Afegãos
compreendem que medidas enérgicas são necessárias às vezes para defender o seu
país. Para muitos, isso não é apenas um direito individual, mas uma
responsabilidade, de lutar contra a opressão, invasão, e ocupação usando os
meios mais poderosos disponíveis.
Infelizmente,
no Afeganistão, como em outros lugares, a violência é vista como o jeito mais
efetivo de reação. Mas eu li bastante e vi que há métodos alternativos que dão
resultados. E hoje eu já trabalho no AEI há dez anos,” diz Jamila.
Gene
Sharp enfatiza que suas teorias devem ser adaptadas para cada situação
especifica. Tanto ele quanto Jamila enfatizam o fato de que eles não dizem às
pessoas que vem até a eles buscando por conselhos o que fazer. Eles
simplesmente não possuem o conhecimento de como é a vida naqueles países.
“São as
próprias pessoas que devem analisar, planejar e agir. Porque elas tem o
conhecimento. E são eles que estão assumindo os riscos e consequências,”
explica Jamila
Ambos
usam palavras como conflito, estratégias e operações. Palavras que te fazem
pensar nas forças armadas. De acordo com Sharp, as mesmas expressões usadas pelos
militares podem ser aplicadas à luta não-violenta.
“Palavras
são incrivelmente importantes. Como se pode pensar claramente se o vocabulário
é vago? Pegue uma palavra como não-violência: isso significa tudo e nada. É por
isso que é importante colocar uma palavra como ação ou luta depois disso para
mostrar que este é um tipo de resistência que envolve muitas ações ativas e
nenhuma passividade,” diz Sharp
“Afinal,
tudo se trata de luta armada. A diferença aqui é que as armas são
não-violentas,” complementa Jamila.
Pense antes de agir
Pessoas
organizam protestos pacíficos contra governos pelo o mundo e eles devem saber
que suas ações podem ser punidas severamente. Quando é perguntado de onde as
pessoas encontram a coragem para se levantar contra regimes tirânicos, Sharp
responde ponderadamente, “Para ser honesto, eu não sei. Talvez isso seja uma
segunda natureza. O importante é que eles podem e devem fazer isso acontecer. Quando você começa resistir, regimes totalitários não irão gostar.
Eles irão usar a violência para criar o medo. Mas as pessoas continuarão
resistindo porque as ações não-violentas funcionam.”
Ele então
continua, “Se você tem medo, nada muda. E se você sabe o que vai acontecer,
então você tem menos propensão a não fazer nada. Calcule os riscos e se você
acha que eles são muito grandes, então não faça isso. Se você decide agir,
então faça com o conhecimento que os ganhos são maiores que os riscos. Do
contrário, suas ações irão causar mais prejuízos do que benefícios.”
Sharp
retoma a importância de estar preparado e ser cuidadoso e enfatiza o quão
importante é ter o conhecimento necessário antes de agir.
“Você não
irá longe apenas com inspiração. Se você tem apenas boas idéias, o que fazer?
Muitas pessoas com boas idéias fizeram coisas horríveis. A inspiração não é tão
importante quanto ter o conhecimento e a compreensão do que pode ser feito para
mudar o que está errado e o que precisa melhorar. Isso requer reflexão e
análise,” ele declara.
Através dos anos, ele tem sido criticado tanto por pessoas adeptas da violência
em conflitos quanto por pacifistas. Pacifistas que acreditam que por mais que
Gene Sharp pesquise e promova a resistência não-violenta, ele continua a
estimular conflitos. Sharp acredita que muitas pessoas tem uma visão romântica
da não-violência.
“Eu tenho
orgulho de ser diferente da maioria dos ativistas pacifistas. Se livrar
completamente de conflitos é uma visão perigosa. Isso depende do tipo de
conflitos que estamos tratando. Se há injustiças, então deve haver conflito. E
as opiniões devem virar ações, mas essas ações devem ser escolhidas
sabiamente,” ele afirma.
Céticos
sempre argumentam que os métodos não-violentos não poderiam ter derrotado os
nazistas na Segunda Guerra Mundial. Mas ao invés de discutir se isso teria
funcionado ou não, Sharp encoraja as pessoas a se focar em como os nazistas
foram obstruídos por ações não-violentas, algo sempre esquecido pelos
historiadores. Ele acredita que sem esse tipo de resistência civil, os nazistas
teriam causado mais estragos.
“Uma
revista Americana escreveu uma vez: ‘Teste para pacifistas! Você consegue amolecer
o coração de Hitler?’ Que besteira! Um completo absurdo! Esse não era o problema. A
questão era – e é – como podemos tirar o poder das mãos de alguém como Hitler?
Como você pode delegar poderes a pessoas que se acham impotentes? É nessa
questão que me foco,” ele diz.
Ele tem
analisado as idéias de grandes pensadores e conhecido políticos e legisladores
sábios, mas estas não são as pessoas que mais o influenciaram. “Dizem que você
não pode fazer coisas sobre certas circunstâncias e mesmo assim as pessoas as
fazem de qualquer forma. As pessoas ditas ordinárias podem realizar feitos
extraordinários. Então faça a coisa certa. Não importa o quanto o seu ato seja
pequeno, ele pode se tornar grande,” ele diz.
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