sábado, 1 de março de 2014

Gene Sharp: O pai da revolução não-violenta




Seu trabalho influenciou movimentos de resistência não-violentos pelo mundo afora. Gene Sharp recebeu o Right Livelihood Award 2012.

Ele passou a vida pesquisando sobre a resistência não-violenta e o porquê deste ser o método mais eficaz de se derrubar regimes corruptos e opressivos. O trabalho de Gene Sharp influenciou movimentos de resistência pelo mundo – e continua a fazê-lo.



"Algo incomum está acontecendo pelo mundo: são as pessoas desarmadas que estão vencendo," ele afirma.



Gene Sharp acabou de fazer 85 anos. Seu corpo está fraco e ele usa uma bengala para andar, mas seu olhar é límpido e seu intelecto distinto. Ele dá a impressão de ser modesto, amigável e ético. É difícil de assimilar que esse homem tímido é uma ameaça a ditadores e regimes totalitários. Mas ele é. E tanto é que autoridades na Síria e Irã alegam que ele é um agente da CIA. Na Rússia, as duas livrarias que vendiam seus livros Da Ditadura à Democracia foram incendiadas.

Ele tem sido chamado de ‘Maquiavel da ação não-violenta’, algo do qual ele ri modestamente quando surge em alguma conversa. O epíteto se aplica bem a ele. O Príncipe de Maquiavel é o tipo de livro sobre como ditadores devem agir para manter o seu poder sobre o povo. O livro de Gene Sharp Da Ditadura à Democracia, no entanto, é um guia que descreve 198 métodos não-violentos e é escrito para pessoas sob o domínio de déspotas e regimes totalitários.

Então, o que é uma resistência não-violenta exatamente? “Deixe me resumir isso brevemente. Pessoas em grandes números são obstinadas – por exemplo, marcham juntas nas ruas para mostrar seu descontentamento. Agem através de protestos simbólicos, boicotes políticos e econômicos, desobediência civil e intervenções não-violentas. Há muitas maneiras,” Gene Sharp explica.

As teorias de ação não-violenta de Gene Sharp influenciaram movimentos de resistência pelo mundo inteiro. Seu livro, o qual já foi traduzido em mais de 35 línguas diferentes, tem sido baixado na internet, copiado e contrabandeado pelas fronteiras por rebeldes e outros grupos de resistência. Usando o livro, e alguns de seus outros escritos, como um fundamento, pessoas em países como Birmânia, Estônia, Ucrânia, Sérvia e, mais recentemente, no Egito e Tunísia, tem planejado como derrubar seus respectivos governos.

A essência da teoria de Gene Sharp é: a fonte de poder do déspota depende da obediência e cooperação da população. Isto pode ser chamado de teoria consensual do poder. Sem o consentimento da população – trate-se do apoio ativo do populacho ou de sua conivência passiva, o tirano teria pouco poder e um aporte irrisório de legitimação para governar.

No entanto, tentar se livrar de um governo por meio da violência é, segundo Gene Sharp, uma estratégia imprudente. “Regimes militares são bem equipados para lidar com esse tipo de resistência. Eles são construídos para combater violência com violência. Quando o governo percebe que as pessoas se recusam a serem oprimidas pela violência e que sua resistência é ampla e disciplinada – É nisso que eles perdem o poder. No fim, as pessoas são mais fortes do que elas imaginam porque elas não usam violência,” ele diz.

A necessidade de conhecer

Primeiramente Gene Sharp se interessou em estratégias não-violentas no final dos anos 40 como uma forma de luta política. “O mundo estava um caos! A bomba atômica era novidade; o nazismo e o holocausto continuavam em nossa memória. Stalin comandou a União Soviética e eu conhecia um pouco sobre os campos de concentração para os presos políticos e religiosos lá. Eu me convencia cada vez mais que deveria haver uma alternativa a guerra.”

Então ele estudou o passado e o presente, analisando como as pessoas tiveram êxito em resistir sem o uso da violência. Entre outras coisas, ele passou dois anos e meio na Noruega no final dos anos 50. Esse tempo passado lá o afetou profundamente. Ele viu de perto como a resistência norueguesa usou a desobediência civil no sistema educacional como uma arma contra o ditador pró-nazista Vidkun Quisling.



“Você não chegará longe apenas com inspiração. Se você tem apenas boas idéias, o que fazer? Muitas pessoas com ótimas idéias fizeram coisas horríveis. Inspiração não é tão importante quanto ter conhecimento e compreensão do que pode ser feito para mudar o que está errado e o que é preciso para fazer as coisas melhores. Isso requer analise e reflexão,” ele declara.



Ele fala sobre a vez que entrevistou uma mulher que ajudou os judeus a escapar dos nazistas. “Eu conheci uma pessoa muito sábia que disse, ‘Você não sabe nada sobre o poder.’ Eu pensei sobre isso e coloquei em prática na Oxford University. Eu gastei meses lá lendo, analisando e juntando diferentes teorias de intelectuais respeitados. Eu adicionei conhecimento onde havia falhas e esse trabalho foi a base para minha análise sobre o poder, a qual continua sendo uma contribuição única para a área. E tudo porque alguém apontou o que eu não sabia, mas precisava saber.”

Gandhi foi uma grande influência

Foi também em Oxford enquanto se debruçava sobre livros e recortes de jornal que ele veio a conhecer uma grande fonte de influência: Gandhi. Ele discorda da imagem de Gandhi apenas como líder espiritual, dizendo que isso é uma imagem injusta de quem ele realmente foi e o porquê dele ter se tornado um líder na luta indiana por independência do Império Britânico.

“Eu não admiro Gandhi porque ele era ‘bonzinho’. Ele podia ser qualquer coisa menos ingênuo. Ele estudou direito em Londres e era bem instruído. Ele sabia bastante sobre como movimentos de resistência usavam a desobediência civil. Ele era um intelectual e um analista. Isso tem sido ignorado, algo que tem causado mais prejuízos do que benefícios, enquanto pessoas pensam que sabem o que ele fez e como, quando na verdade, eles não sabem,” ele diz.

“Até então, eu achava que a luta não-violenta estava conectada a um tipo de ética ou crença religiosa. Mas então eu percebi que Gandhi usava ações não-violentas por razões práticas também – porque, simplesmente, isso teria um resultado melhor. Isso me deu esperança que as pessoas poderiam resistir a violência massiva ao redor do mundo,” ele continua.

Gene Sharp geralmente não se coloca nas barricadas, mas durante 1953-1954, ele passou nove meses na cadeia por protestar contra o recrutamento de soldados para a guerra coreana. Em 1989, ele conversou com os manifestantes no Tiananmen Square. E em 1992, ele viajou para a Birmânia ilegalmente depois que ativistas pró-democracia pediram a ele para dar workshops sobre ações não-violentas para estudantes.

O Instituto Albert Einstein

Professor Gene Sharp atuou, principalmente, no mundo acadêmico. Por 30 anos ele foi um pesquisador da Universidade de Harvard e, em 1983, fundou o Instituto Albert Einstein [AEI] para promover o estudo e o uso da ação não-violenta em conflitos. A Instituição funciona desde 2004 em dois quartos de sua casa no leste de Boston. Seu título atual é de Acadêmico Sênior.

A diretora executiva da instituição é Jamila Raqib de 32 anos. Quando ela terminou seus estudos em administração, ela quis trabalhar por um ano em uma organização sem fins lucrativos. Foi quando ela viu um anúncio de emprego no AEI.

“Inicialmente eu estava, no minimo, cética. Quando eu tinha cinco anos minha família se mudou para os Estados Unidos e eu sou de um país que glorificava a resistência armada. Porque este país foi invadido diversas vezes durante séculos, Afegãos compreendem que medidas enérgicas são necessárias às vezes para defender o seu país. Para muitos, isso não é apenas um direito individual, mas uma responsabilidade, de lutar contra a opressão, invasão, e ocupação usando os meios mais poderosos disponíveis.

Infelizmente, no Afeganistão, como em outros lugares, a violência é vista como o jeito mais efetivo de reação. Mas eu li bastante e vi que há métodos alternativos que dão resultados. E hoje eu já trabalho no AEI há dez anos,” diz Jamila.

Gene Sharp enfatiza que suas teorias devem ser adaptadas para cada situação especifica. Tanto ele quanto Jamila enfatizam o fato de que eles não dizem às pessoas que vem até a eles buscando por conselhos o que fazer. Eles simplesmente não possuem o conhecimento de como é a vida naqueles países.

“São as próprias pessoas que devem analisar, planejar e agir. Porque elas tem o conhecimento. E são eles que estão assumindo os riscos e consequências,” explica Jamila

Ambos usam palavras como conflito, estratégias e operações. Palavras que te fazem pensar nas forças armadas. De acordo com Sharp, as mesmas expressões usadas pelos militares podem ser aplicadas à luta não-violenta.

“Palavras são incrivelmente importantes. Como se pode pensar claramente se o vocabulário é vago? Pegue uma palavra como não-violência: isso significa tudo e nada. É por isso que é importante colocar uma palavra como ação ou luta depois disso para mostrar que este é um tipo de resistência que envolve muitas ações ativas e nenhuma passividade,” diz Sharp

“Afinal, tudo se trata de luta armada. A diferença aqui é que as armas são não-violentas,” complementa Jamila.

Pense antes de agir

Pessoas organizam protestos pacíficos contra governos pelo o mundo e eles devem saber que suas ações podem ser punidas severamente. Quando é perguntado de onde as pessoas encontram a coragem para se levantar contra regimes tirânicos, Sharp responde ponderadamente, “Para ser honesto, eu não sei. Talvez isso seja uma segunda natureza. O importante é que eles podem e devem fazer isso acontecer. Quando você começa resistir, regimes totalitários não irão gostar. Eles irão usar a violência para criar o medo. Mas as pessoas continuarão resistindo porque as ações não-violentas funcionam.”

Ele então continua, “Se você tem medo, nada muda. E se você sabe o que vai acontecer, então você tem menos propensão a não fazer nada. Calcule os riscos e se você acha que eles são muito grandes, então não faça isso. Se você decide agir, então faça com o conhecimento que os ganhos são maiores que os riscos. Do contrário, suas ações irão causar mais prejuízos do que benefícios.”

Sharp retoma a importância de estar preparado e ser cuidadoso e enfatiza o quão importante é ter o conhecimento necessário antes de agir.

“Você não irá longe apenas com inspiração. Se você tem apenas boas idéias, o que fazer? Muitas pessoas com boas idéias fizeram coisas horríveis. A inspiração não é tão importante quanto ter o conhecimento e a compreensão do que pode ser feito para mudar o que está errado e o que precisa melhorar. Isso requer reflexão e análise,” ele declara.

Através dos anos, ele tem sido criticado tanto por pessoas adeptas da violência em conflitos quanto por pacifistas. Pacifistas que acreditam que por mais que Gene Sharp pesquise e promova a resistência não-violenta, ele continua a estimular conflitos. Sharp acredita que muitas pessoas tem uma visão romântica da não-violência.

“Eu tenho orgulho de ser diferente da maioria dos ativistas pacifistas. Se livrar completamente de conflitos é uma visão perigosa. Isso depende do tipo de conflitos que estamos tratando. Se há injustiças, então deve haver conflito. E as opiniões devem virar ações, mas essas ações devem ser escolhidas sabiamente,” ele afirma.

Céticos sempre argumentam que os métodos não-violentos não poderiam ter derrotado os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Mas ao invés de discutir se isso teria funcionado ou não, Sharp encoraja as pessoas a se focar em como os nazistas foram obstruídos por ações não-violentas, algo sempre esquecido pelos historiadores. Ele acredita que sem esse tipo de resistência civil, os nazistas teriam causado mais estragos.

“Uma revista Americana escreveu uma vez: ‘Teste para pacifistas! Você consegue amolecer o coração de Hitler?’ Que besteira! Um completo absurdo! Esse não era o problema. A questão era – e é – como podemos tirar o poder das mãos de alguém como Hitler? Como você pode delegar poderes a pessoas que se acham impotentes? É nessa questão que me foco,” ele diz.

Ele tem analisado as idéias de grandes pensadores e conhecido políticos e legisladores sábios, mas estas não são as pessoas que mais o influenciaram. “Dizem que você não pode fazer coisas sobre certas circunstâncias e mesmo assim as pessoas as fazem de qualquer forma. As pessoas ditas ordinárias podem realizar feitos extraordinários. Então faça a coisa certa. Não importa o quanto o seu ato seja pequeno, ele pode se tornar grande,” ele diz.

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