domingo, 31 de maio de 2015

American Sniper: A guerra do Iraque vista através dos olhos do cidadão comum



Sniper Americano (2014)
Finalmente consegui assistir ao filme American Sniper e descobri do que todo aquele burburinho se tratava. Enquanto escrevo isso, o filme já arrecadou mais de 200 milhões de dólares na sua segunda semana de estréia, tornando-o o maior lançamento de janeiro de todos os tempos, e o mais badalado filme de guerra de todos os tempos.

O cinema estava lotado quando estive lá na matinê. Em termos de mobilizar adultos para se acomodar em um cinema lotado para assistir um filme – e não apenas acompanhar crianças – a última vez que me lembro de um filme ter conseguido tal feito de lotar os cinemas continuamente foi quando A Paixão de Cristo teve seu lançamento mundial.

Inquestionavelmente o filme está agradando o público. A razão é óbvia, uma vez que você o tenha isto. American Sniper nos mostra a Guerra do Iraque pelo ponto de vista dos americanos que a lutaram. Os soldados que foram a guerra e as famílias que os enviaram, as quais ficaram com os corações no limbo durante um ano – é nessa realidade que somos convidados a entrar. Vemos as pessoas não como vítimas, não como predadores cegos, não como peões sem substância num entretenimento moralizador, mas simplesmente como eles são.

Nós os vemos de fato, como eles são. Esses são os americanos como os conhecemos. Na vida real, nós reconhecemos o que há de ordinário em cada um. Conhecemos os arquétipos que nos são apresentados, e não consideramos de mau gosto; consideramo-os normais – até mesmo ótimos.

A reação histérica da esquerda ao filme é explicada pelo modo como American Sniper valida o ponto de vista do cidadão americano comum sobre o ocorrido. Considere a parte inicial do filme, quando assistimos Chris Kyle ainda criança aprendendo com o pai: aprendendo a atirar, aprendendo a ética do chamado protetor. Clint Eastwood [o diretor] mostra essa passagem brevemente, indo direto ao ponto, propositadamente mas sem sentimentalismo. Ele deixa as coisas como são – como foram na vida de Chris Kyle – contando com o espectador para absorver e interpretá-la a vontade.

Essa é a quintessência do modo masculino de comunicação. O pacote inteiro – o conteúdo e o método de apresentá-lo – são o que a esquerda tem se empenhado em diminuir, distorcer e vilanizar nos últimos 100 anos. Esquerdistas são levados a atacar esse tipo de coisa; quando estão escrevendo histórias ou fazendo filmes, eles tem de “contextualizar” e desnaturalizar isso, com ironia e cinismo, imputando hipocrisia ou moralismo ideológico. Eles mal podem deixar tal coisa passar em branco.

Isso se deve, em parte, por que quando este tipo de coisa é deixado a própria sorte, apresentado como nada mais ou nada menos do que é de fato, os americanos respondem a isso com um entusiasmo assertivo.

Um número de coisas me impressionaram durante o filme, mas vou mencionar apenas algumas. Assista ao filme. Isso mesmo: Vá, assista. Bradley Cooper está impecável como Chris Kyle. Eu dúvido que você ache um gesto ou entonação fora do contexto. Não tenho certeza se eu escalaria Sienna Miller como Taya Kyle, mas ela me convenceu no papel. Sammy Sheik como Mustafa, o atirador olímpico e sniper adversário, está excelente em um papel quase sem falas. Eastwood fez um ótimo trabalho com os sets de filmagem e a produção; o ambiente de combate no Iraque parece realista, ao invés de algo esquisito e fantasioso (um conceito de cinematografia do qual estou de saco cheio). O resultado é impressionante, o que já é um alto prêmio.

A guerra do Iraque como a vimos

Vamos direto ao ponto. Primeiro, como o título sugere pareceu-me ao assistir American Sniper que esse filme é sobre a Guerra do Iraque e que trata justamente disto, como foi percebida e vivida pelos Americanos. A guerra do Iraque era sobre combater a ameaça terrorista na nascente, impedindo-a de chegar até a América. Essa é a narrativa básica passada na cabeça do americano mediano. Essa era a narrativa que se passava na cabeça de Chris Kyle.

Clint Eastwood não precisou elaborar o ocorrido no filme. Ele compreendia que isto já estava dentro da mente do seu público. O vilipêndio da esquerda sobre o conceito de guerra, forjado em muitos outros filmes sobre a Guerra do Iraque, é desagradável e continuará sendo. Ninguém quer assistir a um filme apesar dos horrores da guerra sem deixar os soldados estarem lá sem uma boa razão. Até o heroísmo tem seus limites, isso não se dá por nada.

O grande segredo desse filme é que a audiência que lotou as salas de cinema continuamente, dia após dia, sabe que houve um motivo para a guerra. Minha opinião é de que maioria das pessoas foi ambivalente nos importantes aspectos da guerra: algo relevante, como sua constitucionalidade, ou o Iraque como a prioridade da vez, ou os distúrbios precedentes de uma invasão e na mudança de regime de tal escala. Não é um jingoismo descerebrado ocorrendo. É uma questão de decisões difíceis de se tomar em face de tamanha ameaça, ambivalência e incerteza.

O papel de Chris Kyle lá é o papel pelo qual passamos durante o nosso ciclo de vida. Ele foi um jovem recrutado e enviado para a Guerra. Ele foi também, um jovem que optou por ir porque – na concepção de seu pai – ele não era uma ovelha ou um lobo, mas um cão de guarda. Ele estava lá para proteger.

A guerra como um rito de passagem

Isso me leva a segunda coisa que me impressionou enquanto a trama se desenvolvia. Cada pessoa teve de decidir – se a escolha fica sendo dela – quando sua vigília como cão de guarda é completada. A guerra, a necessidade dela, o estado de espírito para tal, é parte da vida; e não o contrário. Clint Eastwood apresenta a realidade como ela de fato é, ao invés de tentar editar a história para fazê-la parecer um abismo mítico: algo do qual ninguém consegue retornar.

Nós vemos os horrores da Guerra nesse filme. Nós vemos os erros táticos que prejudicaram nossas operações no meado dos anos 2000. Eastwood não as maqueia. O telespectador se lembra, ao se deparar com essas coisas, a qual é uma história da vida, e não haverá um milagre de última hora com uma música tema.

Mas Eastwood não tenta nos empurrar um pacote ideológico moralizador sobre a Guerra. Os homens de fato planejam e conduzem a Guerra. Eles vem e voltam dela. A historia verdadeira do nosso envolvimento no Iraque reflete isso, assim como Chris Kyle reflete isso. Eastwod assim o permite no filme.

Quando um homem sabe que a sua parte no trauma humano da guerra especializada e visceral terminou? A realidade é que maioria dos nossos voluntários não encaram o ponto de transição como vitimas indefesas. Eles o encaram como homens ou mulheres carregando feridas, mas fazendo decisões de uma complexidade que compreende o passado e o futuro da humanidade. Eastwood retrata isso como o é de fato: não uma patologia mas uma passagem que requer sabedoria, busca e talvez uma consulta com Deus. (Complementando, os diálogos de Chris Kyle com os veteranos de guerra com quem serviu depois do seu retorno pra casa são umas das melhores cenas do filme, sem afetações mas marcantes.)

Definindo a perícia do sniper

Mais uma coisa que mencionarei aqui. Talvez isso tenha me escapado por eu conhecer muitas pessoas que atualmente estão se familiarizando com armas de fogo e a atirar. Bem cedo no filme, o pai de Chris Kyle recita o provérbio, “mire pequeno, erre pequeno.” Aqueles que aprenderam a atirar sabem que isso é mais do que uma forma de encorajamento; isso é o “diferencial.” Quando você tem a sua arma empunhada de forma correta e a conhece bem, então quanto menor o alvo que você têm em mira, menor a margem de erro, com todas as coisas dentro das proporções.

Considero a escolha de Eastwood de esclarecer isso brevemente, numa cena onde o alcance da arma é rápido o suficiente para evitar algo tipo um “documentário,” é uma tacada de mestre. Faz sentido esclarecer esse ponto em um filme sobre um sniper, é óbvio. Recordo-me de Mel Gibson em The Patriot, em que seu personagem de guerra revolucionário, Benjamin Martin ouve seus filhos recitando o mesmo adágio antes de prepararem uma armadilha para as tropas britânicas. O filme de Gibson confiou na capacidade de compreensão dos espectadores. Mas o Sniper o explica, e ajuda aos espectadores leigos em tiro a notar que há uma certa técnica aqui: uma disciplina real, cultivada com um propósito.

Ao fazer isso, o pequeno trecho preenche a lacuna entre a realidade e a lenda. American Sniper não é um filme sobre tiros impossíveis. Deixando o público a par da técnica é um jeito sutil de estabelecer parâmetros. American Sniper é um filme sobre “vigilância.” No nível a que se refere aos detalhes táticos que homens como Kyle e ele próprio foram designados a fazer durante várias semanas a fio, dando suporte aos fuzileiros navais na patrulha de infantaria com um rifle e uma mira. Mas Kyle e os seus companheiros de guerra reconhecem, assim como sua família e sua nação, que vigiar tem um significado distinto. Vigiar é uma ética, um modo de vida, para o cidadão/soldado.

Deve ser duro ter tentado furiosamente por tantos anos, assim como os esquerdistas do ocidente o fizeram, desconstruir e desvalorizar a realidade, e então encontrar tantos americanos rejeitando o trabalho de sua vida como se este nunca tivese existido. Mas milhões de americanos o fizeram.

* * * * *
Qual a motivação da campanha feita pela esquerda a favor da retirada das tropas americanas do Iraque? Houve a proliferação do terrorismo no Ocidente após o atentado de 11 de setembro?


quinta-feira, 28 de maio de 2015

A questão escolar

Os meninos estão se arrastando

Discretamente, alguns educadores irão lhe dizer que os meninos, e não as meninas, são o sexo frágil. Em 1997, eu conheci o presidente do Conselho de Educação de Atlanta, Geórgia. Quem está indo melhor nas escolas de Atlanta, as meninas ou os meninos? Perguntei “As meninas”, ele respondeu, sem hesitar. Em quais áreas? “Em todas as áreas que você citar.” Um diretor de uma escola ensino médio da Pensilvânia falou sobre a condição dos meninos em sua escola: “Estudantes que dominam as listas de evasão, de suspensão, de reprovação e outros índices escolares negativos são homens, em uma proporção ampla.”

Três anos atrás, a Scarsdale High School, no Estado de Nova York, realizou um seminário sobre igualdade de gênero para seu corpo docente, em que foi repetida toda aquela história de “as meninas estão sendo prejudicadas”, com uma notável diferença: um estudante fez uma apresentação na qual ele demonstrou evidências sugerindo que as meninas da Scarsdale High School estão bem à frente dos meninos. David Greene, um professor de estudos sociais, pensou que o estudante devia estar enganado. Porém, quando ele e alguns outros colegas analisaram os padrões do departamento de avaliação, viram que o estudante estava certo. Greene descobriu que, nas turmas de estudos sociais do Programa de Colocação Avançada, havia pouca ou nenhuma diferença nas notas dos meninos e das meninas, mas, nas turmas normais, as meninas estavam se saindo muito melhor. Ele também descobriu, a partir do diretor de esportes da escola que os times femininos tem tido mais êxitos em competições contra outras escolas do que os times masculinos. Dos 12 atletas da Scarsdale High School nomeados como atletas All-American nos últimos 10 anos, por exemplo, 3 eram garotos e 9 eram garotas. Greene saiu da escola em um cenário de completo desacordo com a visão preconceituosa dos diretores: as meninas são ambiciosas e os meninos, relativamente descontentes, estavam dispostos a se contentar com sua mediocridade.

Como todas as escolas, a Scarsdale High School foi fortemente influenciada pelo clima de crise feminina. A crença de que as meninas são sistematicamente privadas imperou no Conselho de Igualdade de Gênero da escola; essa é a razão pela qual a escola oferece aulas eletivas especiais sobre o tema. Greene tentou cautelosamente falar sobre a má performance dos meninos com seus colegas. Muitos deles admitiram, que nas turmas em que eles lecionavam, as meninas pareciam se dar melhor que os meninos, mas eles não viam tal fato como uma parte de uma ampla tendência. Depois de muitos anos ouvindo sobre as emudecidas e prejudicadas garotas, a simples insinuação de que os garotos não estavam indo tão bem quanto elas não foi levada a sério mesmo pelos professores que viam isso acontecer com seus próprios olhos durante as aulas.


Comprometimento Escolar

Um artigo de 1999 do Congressional Quarterly Researcher sobre o desempenho acadêmico de homens e mulheres chama atenção para uma experiência familiar comum: “As filhas querem agradar seus professores ao ficar mais tempo na escola, ajudando em projetos, assistindo mais aulas e fazendo os deveres de casa da forma mais caprichada possível, já os filhos fazem as tarefas de casa depressa para assim poderem brincar, não se importando como os professores verão seu trabalho descuidado.” Na linguagem técnica dos especialistas em educação, as meninas são academicamente mais comprometidas. O comprometimento escolar é uma medida essencial para o sucesso do estudante. O Departamento de Educação dos Estados Unidos avalia o comprometimento estudantil pelos seguintes critérios:

  • Quanto tempo os alunos dedicam aos deveres de casa a cada noite?
  • Eles vão à aula preparados e aptos a aprender? (Levam livros e outros materiais? Fizeram todo o dever de casa?)

Que os meninos são menos comprometidos com a escola que as meninas já havia sido bem observado pelo Departamento de Educação nos anos 80 e 90. Maiores porcentagens de meninos do que de meninas relataram que “geralmente” ou “frequentemente” vão à escola sem o material necessário ou sem ter feito o dever de casa. Levantamentos nas turmas de 4º e 8º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio registraram meninas consistentemente relatando que elas fazem mais as tarefas que os meninos. No 3º ano do ensino médio, eles são 4 vezes mais propensos a não fazerem os deveres de casa do que elas.

Aqui nós temos uma disparidade entre os sexos genuinamente preocupante, com os meninos bem atrás das meninas. Essa é a disparidade sobre a qual professores, pais, diretorias escolares e políticos devem se preocupar. O comprometimento escolar talvez seja o mais importante requisito para o sucesso acadêmico, mas os meninos com menor comprometimento não são citados nos seminários e oficinas sobre igualdade por todo o país. De fato, a chique porém falsa diferença de autoestima continua a ser a preocupação dominante – diferença que a AAUW, em sua busca para “saber mais” sobre as descobertas de Gilligan, exige que seja divulgada.

Existem alguns meios já testados de reestimular os meninos, melhorar seus hábitos escolares e instigá-los para o aprendizado e para um melhor desempenho (discutirei acerca do que funciona para eles nos próximos capítulos). Mas enquanto os problemas desses jovens não forem reconhecidos, eles não poderão ser resolvidos, e enquanto não forem resolvidos, outra disparidade educacional provavelmente persistirá: em comparação aos garotos, muito mais garotas entram nas universidades.
A disparidade no ensino superior

O Departamento de Educação dos Estados Unidos relatou que em 1996 havia 8,4 milhões de mulheres e apenas 6,7 milhões de homens matriculados nas universidades, e também demonstrou que essa vantagem aumentará ainda mais para a próxima década. De acordo com uma previsão, em 2007 haverá 9,2 milhões de mulheres nas universidades e 6,9 milhões de homens.

As feministas inventam argumentos engenhosos e oportunistas para explicar por que o maior número de mulheres nas faculdades não deve ser considerada uma vantagem para o sexo feminino. De acordo com a ensaísta feminista Barbara Ehrenreich, “Uma das razões pelas quais poucos homens estão frequentando as universidades talvez seja porque eles acham que podem se dar bem a vida sem um diploma de curso superior; em outras palavras, eles continuam tendo uma grande vantagem sobre as mulheres na fatia do mercado de trabalho que não exige uma educação formal.”

Ehrenreich está insinuando que um garoto de 17 ou 18 anos que está próximo de se formar no ensino médio, sem planos de cursar uma faculdade, pode continuar em melhores condições do que a futura universitária sentada ao lado dele. Talvez exista uma minoria de estudantes do ensino médio que sejam empreendedores, para a qual essa afirmação é verdadeira, mas para a grande maioria dos meninos um curso superior permite a entrada na classe média – sem contar os benefícios pessoais de uma graduação.

Nos últimos anos, o valor econômico de um curso de nível superior aumentou consideravelmente. Um economista do Instituto Americano de Empresas, Marvin Kosters, quantificou a tendência: “No ano de 1978, o salário médio de um adulto graduado em uma universidade era mais ou menos 25% maior do que o salário de uma pessoa que possuía apenas o nível médio. Por volta de 1995, a diferença tinha mais que dobrado para um salário médio mais de 50% maior para o trabalhador com nível superior.”

Alguém deve ter percebido que os meninos estavam ficando para trás. A disparidade no ensino superior era uma tendência perigosa e verdadeira. Mas ao mesmo tempo em que as meninas estavam superando os meninos de uma forma incrível, as feministas do Departamento de Educação, da AAUW, do Wellesley Center e da Ms. Foundation escolheram declarar a crise da “menina prejudicada”. Durante os anos seguintes, a diferença entre os sexos nas universidades continuou a crescer, mas a atenção da população americana e do governo foi direcionada para as “meninas mal servidas”.


Porque os meninos se dão melhor nos testes?

As feministas não podem negar plausivelmente que as meninas tiram melhores notas, são mais comprometidas com a escola e que agora são o sexo dominante nas universidades. Sendo assim, elas apontam para as diferenças psicológicas e sociológicas: diferenças na autoestima, na autoconfiança e no número de perguntas durante a aula. Mas isso tudo, como nós vimos, não resiste ao escrutínio. Existe um argumento melhor sendo utilizado pelos defensores da crise feminina que é baseado em um dado correto: os meninos conseguem melhores pontuações em quase todos os testes padrões importantes, especialmente nos testes considerados mais difíceis, como o Scholastic Aptitude Assessment Test (SAT) e os testes de admissão para os cursos de direito e medicina, e de pós-graduação.

Em 1996, escrevi um artigo para o Education Week relatando as várias formas pelas quais as meninas estavam tomando a frente dos meninos nas escolas e universidades. Se aproveitando dos dados que sugeriam que os meninos estavam se saindo melhor do que as meninas, David Sadker, em uma resposta, escreveu: “se as meninas estão indo bem na escola, como Christina Hoff Sommers diz, então esses testes estão totalmente errados.” Os garotos, de fato, tendem a se dar melhor nos testes que as meninas. No SAT de 1998, eles tiraram 35 pontos (de 800) a mais que as meninas, 7 pontos a mais em inglês. Sadker está certo ao insinuar que as notas um pouco maiores dos meninos são uma demonstração de seu status privilegiado?

A resposta é não. Um olhar atento ao grupo de estudantes que fizeram o SAT e outros testes do tipo revela que as notas mais baixas das garotas tem pouco ou nada a ver com preconceito ou injustiça. Certamente, elas nem mesmo significam menos resultados positivos para as garotas. Primeiramente, uma maior porcentagem de meninas participam do SAT (54%, contra 46% de meninos). Além disso, de acordo com um estudo da College Board, muito mais meninas das “categorias de risco” fazem os testes, comparado com os meninos. A saber, meninas de lares de baixa renda, ou que possuem pais que nunca concluíram o ensino médio e/ou fizeram uma graduação, fazem o SAT em maior número do que os meninos na mesma situação. “Essas particularidades”, diz o estudo, “estão associadas com as notas menores do que a média do SAT”.

Em outras palavras, devido aos meninos em situação de risco não fazerem o teste enquanto as meninas na mesma condição tendem a fazê-lo, a pontuação média feminina é menor. Ao invés de usar erroneamente as pontuações do SAT como evidências do preconceito contra as meninas, os pesquisadores devem esse preocupar com meninos que nunca comparecem aos testes que eles precisam fazer caso queiram possuir um melhor nível educacional.

No entanto, outro fator externo distorce nos resultados dos testes de forma que parece que ele favorece os meninos Nancy Cole, presidente do Serviço de Testes Educacionais, chama isso de “fenômeno de dispersão”: Em praticamente todos os testes de inteligência e de desempenho, as notas dos homens ficam mais dispersas de que as das mulheres nos extremos: há mais homens prodigiosos e também há mais homens com menores habilidades. Ou, como o cientista político James Q. Wilson uma vez disse, “Existe mais homens entre os gênios, e mais homens entre os idiotas.”

Devemos também levar em conta que os jovens do sexo masculino dominam as listas de evasão e de reprovação, e possuem maior dificuldade de aprender. Esses estudantes raramente participam de testes de alto nível. Por outro lado, os meninos aplicados que levam a sério a escola apresentam resultados desproporcionalmente acima da média. Os ativistas pela igualdade de gênero como Sadker devem ser coerentes em sua lógica: se o menor número de meninas entre as melhores notas é uma evidência de uma “injustiça” para com elas, o grande número de meninos entre as menores pontuações e deve ser considerada uma evidência de “injustiça” para com eles.

Suponha que nós estivéssemos direcionando a nossa atenção para os 2/5 de estudantes enormemente motivados do ensino médio, que participaram voluntariamente do SAT ao invés de considerar uma amostra realmente representativa dos estudantes americanos. Como se compararia as meninas e os meninos, então? O Programa de Avaliação Nacional do Progresso Educacional (NAEP), iniciado em 1969 e gerido pelo Congresso Americano, oferece a melhor e mais compreensiva avaliação do desempenho dos estudantes de todos os níveis de habilidade. Pelo programa da NAEP, uma grande amostra científica de 70.000 a 100.000 estudantes de 44 estados americanos têm suas habilidades em leitura, escrita, matemática e ciências testadas aos 9, 13 e 17 anos (A escala de pontuação da NAEP varia de 0 a 500). Em 1996, os meninos de 17 anos superaram as meninas por 5 pontos em matemática e por 8 pontos em ciências, enquanto as elas os superaram por 14 pontos em leitura e por 17 pontos em escrita. Ao longo das últimas duas décadas, as meninas estiveram se aproximando dos meninos em matemática e ciências, enquanto eles continuam a ficar muito atrás em leitura e escrita. Essa é, portanto, uma diferença que não está diminuindo.



Uma tragédia americana

As ideias de Gilligan tiveram repercussão especial entre os grupos femininos já comprometidos com a tese de que a nossa sociedade é antipática para com as mulheres. Tais organizações foram naturalmente receptivas às novas más notícias a respeito das meninas. O interesse da venerada e politicamente influente Associação Americana de Mulheres Universitárias (AAUW), em particular, foi desperto. Os representantes da AAUW relataram estar “intrigados e preocupados” pelas descobertas Gilligan. “Querendo saber mais”, eles contrataram uma empresa de pesquisas para investigar se as estudantes americanas estavam sendo drenadas de sua autoconfiança.

Em 1991, a AAUW anunciou os resultados perturbadores: “Muitas [garotas] saem da adolescência com uma autoimagem empobrecida.” Anne Bryant, então diretora executiva da AAUW e uma especialista em relações públicas, organizou uma campanha midiática para divulgar a ideia de que “uma desconhecida tragédia americana” havia sido descoberta. Jornais e revistas por todo o país levaram a desoladora notícia de que as meninas estavam sendo afetadas adversamente pelos preconceitos de gênero que erodiram sua autoestima. Susan Schuster, durante o tempo em que foi presidente da AAUW, explicou de forma sincera ao The New York Times o porque da AAUW ter realizado a pesquisa em primeiro lugar: “Nós queríamos pôr alguns dados factuais por trás da nossa crença de que as jovens estão sendo prejudicadas nas salas de aula.”

Na época em que os resultados da pesquisa da AAUW eram manchete, um jornal pouco conhecido denominado Science News, que fornecia informações sobre projetos técnicos e científicos a outros jornais interessados desde 1922, citou importantes psicólogos que questionaram a validade da pesquisa a respeito da autoestima. No entanto, por algum motivo as dúvidas dos especialistas não foram divulgadas nas centenas de reportagens que o estudo da AAUW gerou.

A AAUW rapidamente encomendou um segundo estudo, How Schools Shortchange Girls. Nesse novo estudo, dirigido pelo Centro de Pesquisa da Mulher do Wellesley College e divulgado em 1992, afirmou que existe uma relação de causalidade direta entre as meninas (alegadamente) de segunda classe nas escolas do país e as deficiências em seus níveis de autoestima. A crise psicológica feminina defendida por Carol Gilligan foi então transformada em uma urgente questão de direitos civis: as meninas foram vítimas de uma abrangente discriminação sexista em nossas escolas. “As implicações são claras”, diz a AAUW; “o sistema deve mudar”.

O jornal Education Week relatou que a AAUW gastou 100.000 dólares com o segundo estudo e 150.000 dólares o promovendo. Com grande fanfarra, How Schools Shortchange Girls foi divulgado por uma mídia acrítica, e até mesmo entusiasta da pesquisa. A divulgação provou ser espetacularmente bem-sucedida, gerando mais de 1.400 reportagens e uma enxurrada de discussões na TV sobre a “tragédia” que acometeu as garotas americanas.

O artigo de Susan Chira para o The New York Times em 1992 foi típico da cobertura da mídia por todo o país. No título lia-se “Preconceito contra meninas é frequente nas escolas, com prejuízos permanentes.” A frase bem poderia ter sido escrito pelo departamento de publicidade da AAUW. De fato, todo o artigo foi mais tarde divulgado pela AAUW e emitido como parte de seu pacote de arrecadação de fundos. Chira não entrevistou nenhum crítico.

Em Março de 1999, Eu liguei para a Sra. Chira e a perguntei sobre a forma pela qual ela tratou o relatório da AAUW a respeito das meninas desvalorizadas. Houve um grande silêncio. “Eu não quero falar sobre isso”, ela disse finalmente. Eu tentei delicadamente abordar a questão do porque ela não ter procurado por críticos. “Estou vendo para onde isso está indo... Desejo-lhe boa sorte. Tchau”, ela disse, o que seria o equivalente jornalístico da Quinta Emenda.

Mas ela ligou algumas horas mais tarde, dizendo que não estava preparada para responder às minhas perguntas. Você escreveria isso do mesmo jeito hoje? Indaguei. Não, ela disse, destacando que nós desde então aprendemos muito mais acerca das dificuldades dos meninos. Por que ela não considerou as opiniões discordantes? Ela explicou que quando o estudo da AAUW saiu, ela tinha viajado e tinha um curto prazo para escrever um artigo. Sim, talvez ela tenha confiado demais no relatório da AAUW. Ela tentou contactar Diane Ravitch, a antiga assistente da Secretaria de Educação e uma conhecida crítica das “descobertas” feministas, mas ela não conseguiu.

Se Chira tivesse conseguido se comunicar com Ravitch, ou com qualquer outro especialista em diferenças de gênero na educação, ela rapidamente aprenderia que o relatório estava, no mínimo, desequilibrado: ele exaltou os estudos que sustentam a tese da “menina prejudicada” e subestimou os estudos que a contradizem.

Seis anos depois da publicação de How Schools Shortchange Girls, o the New York Times publicou uma matéria que, pela primeira vez, questionava a validade do relatório. A essa altura, com certeza, a maior parte dos danos à verdade a respeito dos jovens eram irreparáveis. Desta vez a repórter, Tamar Lewin, conseguiu falar com Diane Ravitch, que disse: “O relatório da AAUW não estava apenas completamente errado. Absolutamente bizarro foi o fato de ele ter sido publicado exatamente no momento em que as meninas simplesmente superaram os meninos em quase todas as áreas. Essa seria a leitura correta há 20 anos atrás, mas o relatório ter sido publicado no momento em que foi é como chamar um casamento de funeral... Lá estavam todos aqueles programas especiais implementados para as meninas, e ninguém prestou atenção nos meninos”.

Umas das muitas coisas sobre as quais o relatório estava errado era a respeito das perguntas em sala de aula. De acordo com a AAUW, em um estudo conduzido por Mary e David Sadker, os meninos no ensino fundamental faziam perguntas oito vezes mais frequentemente do que as meninas. Quando os garotos chamavam, os professores ouviam, mas quando as garotas o faziam, diziam para elas: “levante sua mão caso queira falar”.

Uma repórter que tardiamente decidiu checar a veracidade de alguns dos dados da AAUW foi Amy Saltzman, na época trabalhando para o U.S. News & World Report. Ela pediu a David Sadker uma cópia da pesquisa que sustentava as afirmações acerca da famosa proporção 8:1 das perguntas em sala de aula. Sadker explicou que ele tinha apresentado a descoberta em um estudo inédito durante um simpósio patrocinado pela Associação Americana de Pesquisa Educacional (AERA); nem ele e nem a AERA possuíam uma cópia. Sadker reconheceu que a proporção 8:1 que ele divulgou poderia estar imprecisa, e citou um estudo independente feito por Gail Jones, um professor da Universidade da Carolina do Norte, que descobriu que os garotos faziam duas vezes mais perguntas que as garotas. Qualquer que seja a proporção certa, ninguém sequer demostrou que permitir a um estudante fazer perguntas em sala confere qualquer tipo de vantagem acadêmica. O que realmente confere vantagem é a atenção do estudante. Os meninos são menos atentos – o que poderia explicar porque alguns professores fazem mais perguntas à eles ou são mais tolerantes às suas perguntas.

A despeito do preconceito misandrico e de erros factuais, a campanha para convencer a população de que as garotas estão sendo desvalorizadas pessoal e academicamente foi um sucesso. Como a exultante diretora da AAUW, Anne Bryant, disse aos seus amigos, “Eu me lembro de ir para a cama na noite em que nosso relatório foi publicado, totalmente entusiasmada. Quando acordei na manhã seguinte, o primeiro pensamento que tive foi 'Ai meu Deus, o que faremos agora?'” Ação política foi o próximo passo, e aqui, novamente, as feministas tiveram êxito.

Em 1994, o suposto estado depressivo das meninas americanas levou o Congresso dos EUA a aprovar o Ato da Igualdade de Gênero na Educação, que catalogou as meninas como uma “população mal servida”, a exemplo de outros atos anti-discriminação de minorias. Milhões de dólares em subsídios foram concedidos para se estudar seu drama e aprender como lidar com o insidioso preconceito contra elas. Na Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres da ONU em Pequim, no ano de 1995, membros da delegação americana expuseram os déficits educacionais e psicológicos das meninas americanas como uma questão urgente de direitos humanos.


Onde os meninos se encaixam?

Como os meninos se encaixam na “tragédia” das meninas americanas “prejudicadas”? Inevitavelmente, os meninos são ressentidos, sendo vistos tanto como o sexo injustamente privilegiado quanto como obstáculos no caminho para igualdade de gênero para as garotas. Essa é uma dialética compreensível: quanto mais as meninas são vistas como pessoas desvalorizadas, mais os meninos são considerados pedras no sapato que precisam ter sua importância reduzida. Essa perspectiva acerca dos sexos é promovida nas escolas, e muitos professores atualmente sentem que as meninas precisam e merecem atenção especial. “É muito claro que os meninos são os primeiros nessa sociedade e na maior parte do mundo,” diz a Dr. Patricia O’Reilly, professora de educação e diretora do Centro de Igualdade de Gênero na Universidade de Cincinnati.

Isso pode ser “claro”, mas não é verdade. Se nós desconsiderarmos o que as feministas dizem e olharmos objetivamente para a relativa condição de meninos e meninas nesse país, nós descobrimos que são eles, e não elas, que estão definhando academicamente. Dados do Departamento de Educação dos Estados Unidos e de vários estudos universitários recentes mostram que, longe de serem tímidas e desmoralizadas, as meninas de hoje ofuscam os meninos. Elas conseguem tirar melhores notas, possuem maiores aspirações educacionais, seguem um programa acadêmico mais rigoroso e participam em maior número do prestigiado Programa de Colocação Avançada. Esse exigente programa oferece aos melhores estudantes a oportunidade de fazer cursos de nível universitário durante o ensino médio. Em 1984, homens e mulheres participavam em igual proporção. No entanto, de acordo com o Departamento de Educação dos Estados Unidos, “Entre 1984 e 1996, o número de mulheres que fizeram os exames cresceu a uma alta taxa... Em 1996, 144 mulheres, em comparação a 117 homens, para cada 1000 estudantes do 3° ano fizeram as provas do programa.

Segundo o Centro Nacional para Estatística Educacionais, um número ligeiramente maior de estudantes do sexo feminino, em relação aos do sexo masculino, matriculam-se em cursos de matemática e ciências.

A representação das garotas americanas como apreensivas e academicamente desvalorizadas não condiz com os fatos. Elas, supostamente tão medrosas e sem confiança, agora superam os garotos nos grêmios estudantis, nas sociedades de honra, nos jornais escolares, e até mesmo nos clubes de debate. Apenas nos esportes eles continuam na frente, e os grupos femininos estão focalizando na desigualdade esportiva para uma vingança.

Ao mesmo tempo em que a AAUW estava anunciando sua descoberta de que as garotas eram subjugadas nas escolas, o Departamento de Educação publicou os resultados de uma extensa pesquisa mostrando exatamente o contrário.

As meninas leem mais livros e se dão melhor que os meninos em testes de habilidade artística e musical, estudam fora do país mais que os meninos, e mais delas entram para o Corpo da Paz. Por outro lado, eles são suspensos, repetem de ano e largam a escola com mais frequência do que elas, são três vezes mais suscetíveis de serem matriculados em programas de educação especial, e tem quatro vezes mais chances de serem diagnosticados com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

Os meninos se envolvem mais com crime, álcool e drogas do que as meninas. Elas tentam mais vezes o suicídio, mas são eles que, na verdade, se matam com mais frequência. Em um ano típico (1997), aconteceram 4.493 suicídios de pessoas jovens de idades entre 5 e 24 anos: 701 mulheres e 3.792 homens.


A guerra contra os meninos

Como o feminismo desenfreado está prejudicando os nossos homens jovens

Por Christina Hoff Sommers

Onde os meninos estão?
O mito da menina frágil

Carol Gilligan, a mãe do movimento
da crise adolescente
Em 1990, Carol Gilligan anunciou ao mundo que as adolescentes americanas estavam em crise. Nas palavras dela, “Como o rio da vida de uma garota flui em direção ao mar da cultura ocidental, ela corre o risco de se afogar ou desaparecer”. Gilligan ofereceu pouco, em termos de evidências, para sustentar essa descoberta alarmante. De fato, é difícil imaginar que tipo de pesquisa empírica poderia fundamentar uma reivindicação tão grande. No entanto, Gilligan rapidamente atraiu aliados poderosos. Em um curtíssimo período de tempo, o supostamente frágil e desmoralizado estado das adolescentes americanas alcançou o status de emergência nacional.

Eu sujeitarei a pesquisa de Gilligan acerca das meninas e dos meninos a uma extensa análise nos próximos capítulos. Ela é a padroeira do movimento acerca da crise feminina. Gilligan, mais do que ninguém, é citada como a autoridade científica e acadêmica que confere respeitabilidade às reivindicações de que as garotas americanas estão sendo psicologicamente empobrecidas, socialmente “emudecidas” e academicamente “prejudicadas”.

Escritores famosos, movidos pela descoberta de Gilligan, começaram a ver evidências da crise feminina em todo lugar. A antiga colunista do New York Times Anna Quindlen contou como a pesquisa de Gilligan lançou uma ominosa sombra na festa de comemoração do segundo aniversário de sua filha: “Minha filha está pronta para mergulhar no mundo, como se a vida fosse uma sopa de galinha, e ela, um delicioso macarrão. O trabalho da Professora de Harvard Carol Gilligan sugeriu que algum tempo depois dos 11 anos isso mudará, e que até mesmo essa alegre garotinha irá regredir e se retrair.”

Logo, começou a surgir uma série de livros famosos, com títulos como Failing at Fairness: How America's Schools Cheat Girls [Falhando em Equidade: Como as escolas americanas iludem as meninas]; Reviving Ophelia: Saving the Selves of Adolescent Girls [Revivendo Ofélia: Salvando os egos das adolescentes]; Schoolgirls: Self-Esteem and the Confidence [Colegiais: Autoestima e Confiança]. A escritora do Gap. Time Elizabeth Gleick falou sobre a nova tendência da literatura vitimológica: “Dezenas de adolescentes perturbadas adentram por essas páginas: um grupo composto por projetos de Charlottes, Whitneys and Danielles que foram estupradas, têm bulimia, possuem piercings pelo corpo ou cabeças raspadas; meninas que estão lidando com famílias rigorosamente religiosas ou estão abatidas pelo amargo divórcio de seus pais.”

O país das adolescentes foi tanto exaltado quanto lamentado. A novelista Carolyn See escreveu no The Washington Post: “Os mais heroicos, destemidos, graciosos e atormentados seres humanos deste país devem ser as garotas com a idade de 12 a 15 anos.” Nessa mesma linha, Myra e David Sadker, em Failing at Fairness, preveem o destino de uma radiante menininha de seis anos no alto do escorrega de um parquinho: “Lá estava ela, sustentada por suas firmes pernas, com sua cabeça jogada para trás, e seus braços abertos. Como a dona do parquinho, ela estava no topo do mundo.” Mas tudo mudaria em breve: “Se a câmera tivesse fotografado a menina... aos 12 anos ao invés dos 6... ela estaria olhando para o chão, e não para o céu; sua autoestima estaria em uma acelerada espiral descendente.”

A imagem de meninas confusas e desamparadas lutando para sobreviver seria reproduzida de novo e de novo, com detalhes adicionais e crescente insistência. No livro de Mary Pipher Reviving Ophelia, de longe o mais bem-sucedido dos livros sobre a crise feminina, as adolescentes se submetem a uma impetuosa morte: “Algo terrível acontece às meninas no início da adolescência. Assim como aviões e navios somem misteriosamente no Triângulo das Bermudas, o mesmo acontece com o ego das meninas, que se deterioram em massa. Elas colidem e queimam.”

A descrição das adolescentes americanas como silenciosas, atormentadas, emudecidas e pessoalmente desvalorizadas é de fato desanimadora. Porém, surpreendentemente, existem poucas evidências para sustentá-la. Se as garotas americanas estão passando pelo tipo de crise que Gilligan e seus acólitos estão dizendo, ela passou desapercebida pela psiquiatria convencional. Não há, por exemplo, menções a essa epidemia no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), os arquivos de referência oficiais da Associação Americana de Psiquiatria. O mal que chega mais próximo de corresponder aos sintomas mencionados pelos escritores apologistas da crise é um distúrbio do humor denominado distimia. A distimia é caracterizada por uma baixa autoestima, sentimentos de inadequação, depressão, dificuldade de tomar decisões e isolamento social. De acordo com o DSM-IV, o mal ocorre em igual proporção entre as crianças de ambos os sexos, e mesmo sendo mais comum em mulheres do que em homens entre os adultos, ainda assim é relativamente raro. Não mais que 3 ou 4% da população sofre dessa desordem.

Os acadêmicos que seguem os protocolos convencionais de pesquisa das ciências sociais descrevem as adolescentes em termos muito mais otimistas. A Dr. Anne Petersen, uma antiga professora de desenvolvimento adolescente e pediatria na Universidade de Minnesota e atualmente vice-presidente sênior de programas da Fundação W. K. Kellogg, relatou o consenso dos pesquisadores que trabalham com psicologia adolescente: “Já se sabe que a maioria dos adolescentes de ambos os gêneros passam por esse período do desenvolvimento sem nenhum grande problema psicológico ou emocional, desenvolvem um positivo senso de identidade pessoal, e se viram para forjar relacionamentos adaptativos ao mesmo tempo que mantêm relacionamentos próximos com suas famílias.” Daniel Offer, professor de psiquiatria da Northwestern University, concorda com Petersen. Ele se refere a uma “nova geração de estudos” que considera a maior parte dos adolescentes (80%) normal e bem ajustada.

Ao mesmo tempo que Gilligan estava proclamando uma crise feminina, um estudo da Universidade de Michigan em conjunto com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos perguntou a uma amostra cientificamente selecionada de três mil de alunos do último ano do ensino médio a seguinte pergunta: “Levando tudo em conta, como você diria que as coisas estão hoje - você diria que atualmente está muito feliz, consideravelmente feliz, ou não tão feliz?” Aproximadamente 86% das meninas e 88% dos meninos responderam que eles eram “consideravelmente felizes” ou “muito felizes”. Se as meninas que foram entrevistadas estavam “presas em uma acelerada espiral descendente”, elas não estavam cientes disso.

A psicóloga Mary Pipher descreve a sociedade americana como uma “cultura envenenada e destruidora para as garotas”. Quais são as suas provas? Em Reviving Ophelia, ela diz aos leitores que sua clínica está cheia de meninas “que tinham tentado se matar”, e cita estatísticas sugerindo que as condições das jovens americanas estão piorando: “Os Centros de Controle de Doenças em Atlanta relatam que a taxa de suicídio entre crianças de 10 a 14 anos aumentou 75% entre 1979 e 1988. Algo terrível está acontecendo às adolescentes nos EUA.”

No entanto, os números de Pipher são enganosos. Mesmo que alguma coisa “terrível” esteja ocorrendo com as crianças americanas em relação ao suicídio, esse problema também afeta os meninos. Um olhar atento à distribuição por sexos das estatísticas citadas por Pipher revela que para os garotos de idades entre 10 e 14 anos, a taxa de suicídio cresceu em 71% entre 1979 e 1988; para as garotas, o aumento foi de 27%. Além disso, o número efetivo de crianças de 10 a 14 anos que tiram a própria vida é pequeno. Um imponente total de 48 meninas nessa faixa etária cometeram suicídio em 1979, aumentando para 61 em 1988. Entre os meninos, o número cresceu de 103 para 176. Todas essas mortes são trágicas, mas em uma população de 9 milhões de meninas que estão nessa faixa etária, um aumento de 13 mortes no número total de suicídios dificilmente evidencia a existência de uma cultura destruidora de garotas.

Ao contrário da história contada por Gilligan e seus seguidores, no início dos anos 90 as meninas americanas estavam florescendo de uma forma sem precedentes. De fato, algumas delas – dentre aquelas que se encontravam nas clínicas de psicologia – sentiram que estavam mergulhando no mar da cultura ocidental. Porém, a imensa maioria das meninas estavam ocupadas com coisas mais construtivas, tomando a frente dos meninos no primeiro e no segundo grau, candidatando-se às universidades em números recordes, participando das aulas mais desafiadoras, entrando em equipes esportivas, e geralmente experimentando mais liberdade e oportunidades que quaisquer outras mulheres jovens na história da humanidade.


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Continua em:







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