As
ideias de Gilligan tiveram repercussão especial entre os grupos
femininos já comprometidos com a tese de que a nossa sociedade é
antipática para com as mulheres. Tais organizações foram
naturalmente receptivas às novas más notícias a respeito das
meninas. O interesse da venerada e politicamente influente Associação
Americana de Mulheres Universitárias (AAUW), em particular, foi
desperto. Os representantes da AAUW relataram estar “intrigados e
preocupados” pelas descobertas Gilligan. “Querendo saber mais”,
eles contrataram uma empresa de pesquisas para investigar se as
estudantes americanas estavam sendo drenadas de sua autoconfiança.
Em
1991, a AAUW anunciou os resultados perturbadores: “Muitas
[garotas] saem da adolescência com uma autoimagem empobrecida.”
Anne Bryant, então diretora executiva da AAUW e uma especialista em
relações públicas, organizou uma campanha midiática para divulgar
a ideia de que “uma desconhecida tragédia americana” havia sido
descoberta. Jornais e revistas por todo o país levaram a desoladora
notícia de que as meninas estavam sendo afetadas adversamente pelos
preconceitos de gênero que erodiram sua autoestima. Susan Schuster,
durante o tempo em que foi presidente da AAUW, explicou de forma
sincera ao The New York Times o porque da AAUW ter realizado a
pesquisa em primeiro lugar: “Nós queríamos pôr alguns dados
factuais por trás da nossa crença de que as jovens estão sendo
prejudicadas nas salas de aula.”
Na
época em que os resultados da pesquisa da AAUW eram manchete, um
jornal pouco conhecido denominado Science News, que fornecia
informações sobre projetos técnicos e científicos a outros
jornais interessados desde 1922, citou importantes psicólogos que
questionaram a validade da pesquisa a respeito da autoestima. No
entanto, por algum motivo as dúvidas dos especialistas não foram
divulgadas nas centenas de reportagens que o estudo da AAUW gerou.
A
AAUW rapidamente encomendou um segundo estudo, How
Schools Shortchange Girls.
Nesse novo estudo, dirigido pelo Centro de Pesquisa da Mulher do
Wellesley College e divulgado em 1992, afirmou que existe uma relação
de causalidade direta entre as meninas (alegadamente) de segunda
classe nas escolas do país e as deficiências em seus níveis de
autoestima. A crise psicológica feminina defendida por Carol
Gilligan foi então transformada em uma urgente questão de direitos
civis: as meninas foram vítimas de uma abrangente discriminação
sexista em nossas escolas. “As implicações são claras”, diz a
AAUW; “o sistema deve mudar”.
O
jornal Education
Week
relatou que a AAUW gastou 100.000 dólares com o segundo estudo e
150.000 dólares o promovendo. Com grande fanfarra, How
Schools Shortchange Girls
foi divulgado por uma mídia acrítica, e até mesmo entusiasta da
pesquisa. A divulgação provou ser espetacularmente bem-sucedida,
gerando mais de 1.400 reportagens e uma enxurrada de discussões na
TV sobre a “tragédia” que acometeu as garotas americanas.
O
artigo de Susan Chira para o The New York Times em 1992 foi
típico da cobertura da mídia por todo o país. No título lia-se
“Preconceito contra meninas é frequente nas escolas, com prejuízos
permanentes.” A frase bem poderia ter sido escrito pelo
departamento de publicidade da AAUW. De fato, todo o artigo foi mais
tarde divulgado pela AAUW e emitido como parte de seu pacote de
arrecadação de fundos. Chira não entrevistou nenhum crítico.
Em
Março de 1999, Eu liguei para a Sra. Chira e a perguntei sobre a
forma pela qual ela tratou o relatório da AAUW a respeito das
meninas desvalorizadas. Houve um grande silêncio. “Eu não quero
falar sobre isso”, ela disse finalmente. Eu tentei delicadamente
abordar a questão do porque ela não ter procurado por críticos.
“Estou vendo para onde isso está indo... Desejo-lhe boa sorte.
Tchau”, ela disse, o que seria o equivalente jornalístico da
Quinta Emenda.
Mas
ela ligou algumas horas mais tarde, dizendo que não estava preparada
para responder às minhas perguntas. Você escreveria isso do mesmo
jeito hoje? Indaguei. Não, ela disse, destacando que nós desde
então aprendemos muito mais acerca das dificuldades dos meninos. Por
que ela não considerou as opiniões discordantes? Ela explicou que
quando o estudo da AAUW saiu, ela tinha viajado e tinha um curto
prazo para escrever um artigo. Sim, talvez ela tenha confiado demais
no relatório da AAUW. Ela tentou contactar Diane Ravitch, a antiga
assistente da Secretaria de Educação e uma conhecida crítica das
“descobertas” feministas, mas ela não conseguiu.
Se
Chira tivesse conseguido se comunicar com Ravitch, ou com qualquer
outro especialista em diferenças de gênero na educação, ela
rapidamente aprenderia que o relatório estava, no mínimo,
desequilibrado: ele exaltou os estudos que sustentam a tese da
“menina prejudicada” e subestimou os estudos que a contradizem.
Seis
anos depois da publicação de How
Schools Shortchange Girls,
o
the New York Times
publicou uma matéria que, pela primeira vez, questionava a validade
do relatório. A essa altura, com certeza, a maior parte dos danos à
verdade a respeito dos jovens eram irreparáveis. Desta vez a
repórter, Tamar Lewin, conseguiu falar com Diane Ravitch, que disse:
“O relatório da AAUW não estava apenas completamente errado.
Absolutamente bizarro foi o fato de ele ter sido publicado exatamente
no momento em que as meninas simplesmente superaram os meninos em
quase todas as áreas. Essa seria a leitura correta há 20 anos
atrás, mas o relatório ter sido publicado no momento em que foi é
como chamar um casamento de funeral... Lá estavam todos aqueles
programas especiais implementados para as meninas, e ninguém prestou
atenção nos meninos”.
Umas
das muitas coisas sobre as quais o relatório estava errado era a
respeito das perguntas em sala de aula. De acordo com a AAUW, em um
estudo conduzido por Mary e David Sadker, os meninos no ensino
fundamental faziam perguntas oito vezes mais frequentemente do que as
meninas. Quando os garotos chamavam, os professores ouviam, mas
quando as garotas o faziam, diziam para elas: “levante sua mão
caso queira falar”.
Uma
repórter que tardiamente decidiu checar a veracidade de alguns dos
dados da AAUW foi Amy Saltzman, na época trabalhando para o U.S.
News & World Report. Ela pediu a David Sadker uma cópia da
pesquisa que sustentava as afirmações acerca da famosa proporção
8:1 das perguntas em sala de aula. Sadker explicou que ele tinha
apresentado a descoberta em um estudo inédito durante um simpósio
patrocinado pela Associação Americana de Pesquisa Educacional
(AERA); nem ele e nem a AERA possuíam uma cópia. Sadker reconheceu
que a proporção 8:1 que ele divulgou poderia estar imprecisa, e
citou um estudo independente feito por Gail Jones, um professor da
Universidade da Carolina do Norte, que descobriu que os garotos
faziam duas vezes mais perguntas que as garotas. Qualquer que seja a
proporção certa, ninguém sequer demostrou que permitir a um
estudante fazer perguntas em sala confere qualquer tipo de vantagem
acadêmica. O que realmente confere vantagem é a atenção do
estudante. Os meninos são menos atentos – o que poderia explicar
porque alguns professores fazem mais perguntas à eles ou são mais
tolerantes às suas perguntas.
A
despeito do preconceito misandrico e de erros factuais, a campanha
para convencer a população de que as garotas estão sendo
desvalorizadas pessoal e academicamente foi um sucesso. Como a
exultante diretora da AAUW, Anne Bryant, disse aos seus amigos, “Eu
me lembro de ir para a cama na noite em que nosso relatório foi
publicado, totalmente entusiasmada. Quando acordei na manhã
seguinte, o primeiro pensamento que tive foi 'Ai meu Deus, o que
faremos agora?'” Ação política foi o próximo passo, e aqui,
novamente, as feministas tiveram êxito.
Em
1994, o suposto estado depressivo das meninas americanas levou o
Congresso dos EUA a aprovar o Ato da Igualdade de Gênero na
Educação, que catalogou as meninas como uma “população mal
servida”, a exemplo de outros atos anti-discriminação de
minorias. Milhões de dólares em subsídios foram concedidos para se
estudar seu drama e aprender como lidar com o insidioso preconceito
contra elas. Na Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres da ONU em
Pequim, no ano de 1995, membros da delegação americana expuseram os
déficits educacionais e psicológicos das meninas americanas como
uma questão urgente de direitos humanos.
Onde
os meninos se encaixam?
Como
os meninos se encaixam na “tragédia” das meninas americanas
“prejudicadas”? Inevitavelmente, os meninos são ressentidos,
sendo vistos tanto como o sexo injustamente privilegiado quanto como
obstáculos no caminho para igualdade de gênero para as garotas.
Essa é uma dialética compreensível: quanto mais as meninas são
vistas como pessoas desvalorizadas, mais os meninos são considerados
pedras no sapato que precisam ter sua importância reduzida. Essa
perspectiva acerca dos sexos é promovida nas escolas, e muitos
professores atualmente sentem que as meninas precisam e merecem
atenção especial. “É muito claro que os meninos são os
primeiros nessa sociedade e na maior parte do mundo,” diz a Dr.
Patricia O’Reilly, professora de educação e diretora do Centro de
Igualdade de Gênero na Universidade de Cincinnati.
Isso
pode ser “claro”, mas não é verdade. Se nós desconsiderarmos o
que as feministas dizem e olharmos objetivamente para a relativa
condição de meninos e meninas nesse país, nós descobrimos que são
eles, e não elas, que estão definhando academicamente. Dados do
Departamento de Educação dos Estados Unidos e de vários estudos
universitários recentes mostram que, longe de serem tímidas e
desmoralizadas, as meninas de hoje ofuscam os meninos. Elas conseguem
tirar melhores notas, possuem maiores aspirações educacionais,
seguem um programa acadêmico mais rigoroso e participam em maior
número do prestigiado Programa de Colocação Avançada.
Esse exigente programa oferece aos melhores estudantes a oportunidade
de fazer cursos de nível universitário durante o ensino médio. Em
1984, homens e mulheres participavam em igual proporção. No
entanto, de acordo com o Departamento de Educação dos Estados
Unidos, “Entre 1984 e 1996, o número de mulheres que fizeram os
exames cresceu a uma alta taxa... Em 1996, 144 mulheres, em
comparação a 117 homens, para cada 1000 estudantes do 3° ano
fizeram as provas do programa.
Segundo
o Centro Nacional para Estatística Educacionais, um número
ligeiramente maior de estudantes do sexo feminino, em relação aos
do sexo masculino, matriculam-se em cursos de matemática e ciências.
A
representação das garotas americanas como apreensivas e
academicamente desvalorizadas não condiz com os fatos. Elas,
supostamente tão medrosas e sem confiança, agora superam os garotos
nos grêmios estudantis, nas sociedades de honra, nos jornais
escolares, e até mesmo nos clubes de debate. Apenas nos esportes
eles continuam na frente, e os grupos femininos estão focalizando na
desigualdade esportiva para uma vingança.
Ao
mesmo tempo em que a AAUW estava anunciando sua descoberta de que as
garotas eram subjugadas nas escolas, o Departamento de Educação
publicou os resultados de uma extensa pesquisa mostrando exatamente o
contrário.
As
meninas leem mais livros e se dão melhor que os meninos em testes de
habilidade artística e musical, estudam fora do país mais que os
meninos, e mais delas entram para o Corpo da Paz. Por outro lado,
eles são suspensos, repetem de ano e largam a escola com mais
frequência do que elas, são três vezes mais suscetíveis de serem
matriculados em programas de educação especial, e tem quatro vezes
mais chances de serem diagnosticados com transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade.
Os
meninos se envolvem mais com crime, álcool e drogas do que as
meninas. Elas tentam mais vezes o suicídio, mas são eles que, na
verdade, se matam com mais frequência. Em um ano típico (1997),
aconteceram 4.493 suicídios de pessoas jovens de idades entre 5 e 24
anos: 701 mulheres e 3.792 homens.
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