quinta-feira, 28 de maio de 2015

Uma tragédia americana

As ideias de Gilligan tiveram repercussão especial entre os grupos femininos já comprometidos com a tese de que a nossa sociedade é antipática para com as mulheres. Tais organizações foram naturalmente receptivas às novas más notícias a respeito das meninas. O interesse da venerada e politicamente influente Associação Americana de Mulheres Universitárias (AAUW), em particular, foi desperto. Os representantes da AAUW relataram estar “intrigados e preocupados” pelas descobertas Gilligan. “Querendo saber mais”, eles contrataram uma empresa de pesquisas para investigar se as estudantes americanas estavam sendo drenadas de sua autoconfiança.

Em 1991, a AAUW anunciou os resultados perturbadores: “Muitas [garotas] saem da adolescência com uma autoimagem empobrecida.” Anne Bryant, então diretora executiva da AAUW e uma especialista em relações públicas, organizou uma campanha midiática para divulgar a ideia de que “uma desconhecida tragédia americana” havia sido descoberta. Jornais e revistas por todo o país levaram a desoladora notícia de que as meninas estavam sendo afetadas adversamente pelos preconceitos de gênero que erodiram sua autoestima. Susan Schuster, durante o tempo em que foi presidente da AAUW, explicou de forma sincera ao The New York Times o porque da AAUW ter realizado a pesquisa em primeiro lugar: “Nós queríamos pôr alguns dados factuais por trás da nossa crença de que as jovens estão sendo prejudicadas nas salas de aula.”

Na época em que os resultados da pesquisa da AAUW eram manchete, um jornal pouco conhecido denominado Science News, que fornecia informações sobre projetos técnicos e científicos a outros jornais interessados desde 1922, citou importantes psicólogos que questionaram a validade da pesquisa a respeito da autoestima. No entanto, por algum motivo as dúvidas dos especialistas não foram divulgadas nas centenas de reportagens que o estudo da AAUW gerou.

A AAUW rapidamente encomendou um segundo estudo, How Schools Shortchange Girls. Nesse novo estudo, dirigido pelo Centro de Pesquisa da Mulher do Wellesley College e divulgado em 1992, afirmou que existe uma relação de causalidade direta entre as meninas (alegadamente) de segunda classe nas escolas do país e as deficiências em seus níveis de autoestima. A crise psicológica feminina defendida por Carol Gilligan foi então transformada em uma urgente questão de direitos civis: as meninas foram vítimas de uma abrangente discriminação sexista em nossas escolas. “As implicações são claras”, diz a AAUW; “o sistema deve mudar”.

O jornal Education Week relatou que a AAUW gastou 100.000 dólares com o segundo estudo e 150.000 dólares o promovendo. Com grande fanfarra, How Schools Shortchange Girls foi divulgado por uma mídia acrítica, e até mesmo entusiasta da pesquisa. A divulgação provou ser espetacularmente bem-sucedida, gerando mais de 1.400 reportagens e uma enxurrada de discussões na TV sobre a “tragédia” que acometeu as garotas americanas.

O artigo de Susan Chira para o The New York Times em 1992 foi típico da cobertura da mídia por todo o país. No título lia-se “Preconceito contra meninas é frequente nas escolas, com prejuízos permanentes.” A frase bem poderia ter sido escrito pelo departamento de publicidade da AAUW. De fato, todo o artigo foi mais tarde divulgado pela AAUW e emitido como parte de seu pacote de arrecadação de fundos. Chira não entrevistou nenhum crítico.

Em Março de 1999, Eu liguei para a Sra. Chira e a perguntei sobre a forma pela qual ela tratou o relatório da AAUW a respeito das meninas desvalorizadas. Houve um grande silêncio. “Eu não quero falar sobre isso”, ela disse finalmente. Eu tentei delicadamente abordar a questão do porque ela não ter procurado por críticos. “Estou vendo para onde isso está indo... Desejo-lhe boa sorte. Tchau”, ela disse, o que seria o equivalente jornalístico da Quinta Emenda.

Mas ela ligou algumas horas mais tarde, dizendo que não estava preparada para responder às minhas perguntas. Você escreveria isso do mesmo jeito hoje? Indaguei. Não, ela disse, destacando que nós desde então aprendemos muito mais acerca das dificuldades dos meninos. Por que ela não considerou as opiniões discordantes? Ela explicou que quando o estudo da AAUW saiu, ela tinha viajado e tinha um curto prazo para escrever um artigo. Sim, talvez ela tenha confiado demais no relatório da AAUW. Ela tentou contactar Diane Ravitch, a antiga assistente da Secretaria de Educação e uma conhecida crítica das “descobertas” feministas, mas ela não conseguiu.

Se Chira tivesse conseguido se comunicar com Ravitch, ou com qualquer outro especialista em diferenças de gênero na educação, ela rapidamente aprenderia que o relatório estava, no mínimo, desequilibrado: ele exaltou os estudos que sustentam a tese da “menina prejudicada” e subestimou os estudos que a contradizem.

Seis anos depois da publicação de How Schools Shortchange Girls, o the New York Times publicou uma matéria que, pela primeira vez, questionava a validade do relatório. A essa altura, com certeza, a maior parte dos danos à verdade a respeito dos jovens eram irreparáveis. Desta vez a repórter, Tamar Lewin, conseguiu falar com Diane Ravitch, que disse: “O relatório da AAUW não estava apenas completamente errado. Absolutamente bizarro foi o fato de ele ter sido publicado exatamente no momento em que as meninas simplesmente superaram os meninos em quase todas as áreas. Essa seria a leitura correta há 20 anos atrás, mas o relatório ter sido publicado no momento em que foi é como chamar um casamento de funeral... Lá estavam todos aqueles programas especiais implementados para as meninas, e ninguém prestou atenção nos meninos”.

Umas das muitas coisas sobre as quais o relatório estava errado era a respeito das perguntas em sala de aula. De acordo com a AAUW, em um estudo conduzido por Mary e David Sadker, os meninos no ensino fundamental faziam perguntas oito vezes mais frequentemente do que as meninas. Quando os garotos chamavam, os professores ouviam, mas quando as garotas o faziam, diziam para elas: “levante sua mão caso queira falar”.

Uma repórter que tardiamente decidiu checar a veracidade de alguns dos dados da AAUW foi Amy Saltzman, na época trabalhando para o U.S. News & World Report. Ela pediu a David Sadker uma cópia da pesquisa que sustentava as afirmações acerca da famosa proporção 8:1 das perguntas em sala de aula. Sadker explicou que ele tinha apresentado a descoberta em um estudo inédito durante um simpósio patrocinado pela Associação Americana de Pesquisa Educacional (AERA); nem ele e nem a AERA possuíam uma cópia. Sadker reconheceu que a proporção 8:1 que ele divulgou poderia estar imprecisa, e citou um estudo independente feito por Gail Jones, um professor da Universidade da Carolina do Norte, que descobriu que os garotos faziam duas vezes mais perguntas que as garotas. Qualquer que seja a proporção certa, ninguém sequer demostrou que permitir a um estudante fazer perguntas em sala confere qualquer tipo de vantagem acadêmica. O que realmente confere vantagem é a atenção do estudante. Os meninos são menos atentos – o que poderia explicar porque alguns professores fazem mais perguntas à eles ou são mais tolerantes às suas perguntas.

A despeito do preconceito misandrico e de erros factuais, a campanha para convencer a população de que as garotas estão sendo desvalorizadas pessoal e academicamente foi um sucesso. Como a exultante diretora da AAUW, Anne Bryant, disse aos seus amigos, “Eu me lembro de ir para a cama na noite em que nosso relatório foi publicado, totalmente entusiasmada. Quando acordei na manhã seguinte, o primeiro pensamento que tive foi 'Ai meu Deus, o que faremos agora?'” Ação política foi o próximo passo, e aqui, novamente, as feministas tiveram êxito.

Em 1994, o suposto estado depressivo das meninas americanas levou o Congresso dos EUA a aprovar o Ato da Igualdade de Gênero na Educação, que catalogou as meninas como uma “população mal servida”, a exemplo de outros atos anti-discriminação de minorias. Milhões de dólares em subsídios foram concedidos para se estudar seu drama e aprender como lidar com o insidioso preconceito contra elas. Na Quarta Conferência Mundial sobre Mulheres da ONU em Pequim, no ano de 1995, membros da delegação americana expuseram os déficits educacionais e psicológicos das meninas americanas como uma questão urgente de direitos humanos.


Onde os meninos se encaixam?

Como os meninos se encaixam na “tragédia” das meninas americanas “prejudicadas”? Inevitavelmente, os meninos são ressentidos, sendo vistos tanto como o sexo injustamente privilegiado quanto como obstáculos no caminho para igualdade de gênero para as garotas. Essa é uma dialética compreensível: quanto mais as meninas são vistas como pessoas desvalorizadas, mais os meninos são considerados pedras no sapato que precisam ter sua importância reduzida. Essa perspectiva acerca dos sexos é promovida nas escolas, e muitos professores atualmente sentem que as meninas precisam e merecem atenção especial. “É muito claro que os meninos são os primeiros nessa sociedade e na maior parte do mundo,” diz a Dr. Patricia O’Reilly, professora de educação e diretora do Centro de Igualdade de Gênero na Universidade de Cincinnati.

Isso pode ser “claro”, mas não é verdade. Se nós desconsiderarmos o que as feministas dizem e olharmos objetivamente para a relativa condição de meninos e meninas nesse país, nós descobrimos que são eles, e não elas, que estão definhando academicamente. Dados do Departamento de Educação dos Estados Unidos e de vários estudos universitários recentes mostram que, longe de serem tímidas e desmoralizadas, as meninas de hoje ofuscam os meninos. Elas conseguem tirar melhores notas, possuem maiores aspirações educacionais, seguem um programa acadêmico mais rigoroso e participam em maior número do prestigiado Programa de Colocação Avançada. Esse exigente programa oferece aos melhores estudantes a oportunidade de fazer cursos de nível universitário durante o ensino médio. Em 1984, homens e mulheres participavam em igual proporção. No entanto, de acordo com o Departamento de Educação dos Estados Unidos, “Entre 1984 e 1996, o número de mulheres que fizeram os exames cresceu a uma alta taxa... Em 1996, 144 mulheres, em comparação a 117 homens, para cada 1000 estudantes do 3° ano fizeram as provas do programa.

Segundo o Centro Nacional para Estatística Educacionais, um número ligeiramente maior de estudantes do sexo feminino, em relação aos do sexo masculino, matriculam-se em cursos de matemática e ciências.

A representação das garotas americanas como apreensivas e academicamente desvalorizadas não condiz com os fatos. Elas, supostamente tão medrosas e sem confiança, agora superam os garotos nos grêmios estudantis, nas sociedades de honra, nos jornais escolares, e até mesmo nos clubes de debate. Apenas nos esportes eles continuam na frente, e os grupos femininos estão focalizando na desigualdade esportiva para uma vingança.

Ao mesmo tempo em que a AAUW estava anunciando sua descoberta de que as garotas eram subjugadas nas escolas, o Departamento de Educação publicou os resultados de uma extensa pesquisa mostrando exatamente o contrário.

As meninas leem mais livros e se dão melhor que os meninos em testes de habilidade artística e musical, estudam fora do país mais que os meninos, e mais delas entram para o Corpo da Paz. Por outro lado, eles são suspensos, repetem de ano e largam a escola com mais frequência do que elas, são três vezes mais suscetíveis de serem matriculados em programas de educação especial, e tem quatro vezes mais chances de serem diagnosticados com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.

Os meninos se envolvem mais com crime, álcool e drogas do que as meninas. Elas tentam mais vezes o suicídio, mas são eles que, na verdade, se matam com mais frequência. Em um ano típico (1997), aconteceram 4.493 suicídios de pessoas jovens de idades entre 5 e 24 anos: 701 mulheres e 3.792 homens.


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