Por Christina Hoff Sommers
Onde
os meninos estão?
O
mito da menina frágil
Carol Gilligan, a mãe do movimento da crise adolescente |
Eu
sujeitarei a pesquisa de Gilligan acerca das meninas e dos meninos a
uma extensa análise nos próximos capítulos. Ela é a padroeira do
movimento acerca da crise feminina. Gilligan, mais do que ninguém, é
citada como a autoridade científica e acadêmica que confere
respeitabilidade às reivindicações de que as garotas americanas
estão sendo psicologicamente empobrecidas, socialmente “emudecidas”
e academicamente “prejudicadas”.
Escritores
famosos, movidos pela descoberta de Gilligan, começaram a ver
evidências da crise feminina em todo lugar. A antiga colunista do
New York Times Anna Quindlen contou como a pesquisa de
Gilligan lançou uma ominosa sombra na festa de comemoração do
segundo aniversário de sua filha: “Minha filha está pronta para
mergulhar no mundo, como se a vida fosse uma sopa de galinha, e ela,
um delicioso macarrão. O trabalho da Professora de Harvard Carol
Gilligan sugeriu que algum tempo depois dos 11 anos isso mudará, e
que até mesmo essa alegre garotinha irá regredir e se retrair.”
Logo,
começou a surgir uma série de livros famosos, com títulos como
Failing at Fairness: How America's Schools Cheat Girls [Falhando
em Equidade: Como as escolas americanas iludem as meninas];
Reviving Ophelia: Saving the Selves of Adolescent Girls [Revivendo
Ofélia: Salvando os egos das adolescentes]; Schoolgirls:
Self-Esteem and the Confidence [Colegiais: Autoestima e
Confiança]. A escritora do Gap. Time Elizabeth Gleick falou
sobre a nova tendência da literatura vitimológica: “Dezenas de
adolescentes perturbadas adentram por essas páginas: um grupo
composto por projetos de Charlottes, Whitneys and Danielles que foram
estupradas, têm bulimia, possuem piercings pelo corpo ou cabeças
raspadas; meninas que estão lidando com famílias rigorosamente
religiosas ou estão abatidas pelo amargo divórcio de seus pais.”
O
país das adolescentes foi tanto exaltado quanto lamentado. A
novelista Carolyn See escreveu no The Washington Post: “Os
mais heroicos, destemidos, graciosos e atormentados seres humanos
deste país devem ser as garotas com a idade de 12 a 15 anos.”
Nessa mesma linha, Myra e David Sadker, em Failing at Fairness,
preveem o destino de uma radiante menininha de seis anos no alto do
escorrega de um parquinho: “Lá estava ela, sustentada por suas
firmes pernas, com sua cabeça jogada para trás, e seus braços
abertos. Como a dona do parquinho, ela estava no topo do mundo.”
Mas tudo mudaria em breve: “Se a câmera tivesse fotografado a
menina... aos 12 anos ao invés dos 6... ela estaria olhando para o
chão, e não para o céu; sua autoestima estaria em uma acelerada
espiral descendente.”
A
imagem de meninas confusas e desamparadas lutando para sobreviver
seria reproduzida de novo e de novo, com detalhes adicionais e
crescente insistência. No livro de Mary Pipher Reviving Ophelia,
de longe o mais bem-sucedido dos livros sobre a crise feminina, as
adolescentes se submetem a uma impetuosa morte: “Algo terrível
acontece às meninas no início da adolescência. Assim como aviões
e navios somem misteriosamente no Triângulo das Bermudas, o mesmo
acontece com o ego das meninas, que se deterioram em massa. Elas
colidem e queimam.”
A
descrição das adolescentes americanas como silenciosas,
atormentadas, emudecidas e pessoalmente desvalorizadas é de fato
desanimadora. Porém, surpreendentemente, existem poucas evidências
para sustentá-la. Se as garotas americanas estão passando pelo tipo
de crise que Gilligan e seus acólitos estão dizendo, ela passou
desapercebida pela psiquiatria convencional. Não há, por exemplo,
menções a essa epidemia no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV), os arquivos de referência
oficiais da Associação Americana de Psiquiatria. O mal que chega
mais próximo de corresponder aos sintomas mencionados pelos
escritores apologistas da crise é um distúrbio do humor denominado
distimia. A distimia é caracterizada por uma baixa autoestima,
sentimentos de inadequação, depressão, dificuldade de tomar
decisões e isolamento social. De acordo com o DSM-IV, o mal ocorre
em igual proporção entre as crianças de ambos os sexos, e mesmo
sendo mais comum em mulheres do que em homens entre os adultos, ainda
assim é relativamente raro. Não mais que 3 ou 4% da população
sofre dessa desordem.
Os
acadêmicos que seguem os protocolos convencionais de pesquisa das
ciências sociais descrevem as adolescentes em termos muito mais
otimistas. A Dr. Anne Petersen, uma antiga professora de
desenvolvimento adolescente e pediatria na Universidade de Minnesota
e atualmente vice-presidente sênior de programas da Fundação W. K.
Kellogg, relatou o consenso dos pesquisadores que trabalham com
psicologia adolescente: “Já se sabe que a maioria dos adolescentes
de ambos os gêneros passam por esse período do desenvolvimento sem
nenhum grande problema psicológico ou emocional, desenvolvem um
positivo senso de identidade pessoal, e se viram para forjar
relacionamentos adaptativos ao mesmo tempo que mantêm
relacionamentos próximos com suas famílias.” Daniel Offer,
professor de psiquiatria da Northwestern University, concorda com
Petersen. Ele se refere a uma “nova geração de estudos” que
considera a maior parte dos adolescentes (80%) normal e bem ajustada.
Ao
mesmo tempo que Gilligan estava proclamando uma crise feminina, um
estudo da Universidade de Michigan em conjunto com o Departamento de
Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos perguntou a uma amostra
cientificamente selecionada de três mil de alunos do último ano do
ensino médio a seguinte pergunta: “Levando tudo em conta, como
você diria que as coisas estão hoje - você diria que atualmente
está muito feliz, consideravelmente feliz, ou não tão feliz?”
Aproximadamente 86% das meninas e 88% dos meninos responderam que
eles eram “consideravelmente felizes” ou “muito felizes”. Se
as meninas que foram entrevistadas estavam “presas em uma acelerada
espiral descendente”, elas não estavam cientes disso.
A
psicóloga Mary Pipher descreve a sociedade americana como uma
“cultura envenenada e destruidora para as garotas”. Quais são as
suas provas? Em Reviving Ophelia, ela diz aos leitores que sua
clínica está cheia de meninas “que tinham tentado se matar”, e
cita estatísticas sugerindo que as condições das jovens americanas
estão piorando: “Os Centros de Controle de Doenças em Atlanta
relatam que a taxa de suicídio entre crianças de 10 a 14 anos
aumentou 75% entre 1979 e 1988. Algo terrível está acontecendo às
adolescentes nos EUA.”
No
entanto, os números de Pipher são enganosos. Mesmo que alguma coisa
“terrível” esteja ocorrendo com as crianças americanas em
relação ao suicídio, esse problema também afeta os meninos. Um
olhar atento à distribuição por sexos das estatísticas citadas
por Pipher revela que para os garotos de idades entre 10 e 14 anos, a
taxa de suicídio cresceu em 71% entre 1979 e 1988; para as garotas,
o aumento foi de 27%. Além disso, o número efetivo de crianças de
10 a 14 anos que tiram a própria vida é pequeno. Um imponente total
de 48 meninas nessa faixa etária cometeram suicídio em 1979,
aumentando para 61 em 1988. Entre os meninos, o número cresceu de
103 para 176. Todas essas mortes são trágicas, mas em uma população
de 9 milhões de meninas que estão nessa faixa etária, um aumento
de 13 mortes no número total de suicídios dificilmente evidencia a
existência de uma cultura destruidora de garotas.
Ao
contrário da história contada por Gilligan e seus seguidores, no
início dos anos 90 as meninas americanas estavam florescendo de uma
forma sem precedentes. De fato, algumas delas – dentre aquelas que
se encontravam nas clínicas de psicologia – sentiram que estavam
mergulhando no mar da cultura ocidental. Porém, a imensa maioria das
meninas estavam ocupadas com coisas mais construtivas, tomando a
frente dos meninos no primeiro e no segundo grau, candidatando-se às
universidades em números recordes, participando das aulas mais
desafiadoras, entrando em equipes esportivas, e geralmente
experimentando mais liberdade e oportunidades que quaisquer outras
mulheres jovens na história da humanidade.
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Continua em:
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